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Será que somos influenciáveis?

Atualizado: 8 de fev.

O poder do discurso de massa — Análise do filme A Onda

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Será que somos influenciáveis?


Pode parecer improvável que em pleno século XXI, na era da informação, com a democratização do acesso a notícias via internet, nossa sociedade possa permitir — e até participar — de movimentos absurdos como fascismo e o nazismo.


Mas, basta estudarmos um pouco de história e comunicação de massa (publicitária ou política) para nos espantarmos em como fórmulas de convencimento se repetem, sem que ninguém perceba. Através das mesmas ferramentas de mobilização e engajamento do povo de décadas atrás.


Estratégias de comunicação, que abusam de discursos persuasivos, com estruturas prontas para emocionar, envolver, convencer. Enunciações construídas para dizer o que precisa ser dito, na hora certa às pessoas certas.


Por isso, ao pensarmos em educação política, além de conceitos e o exercício da cidadania, precisamos pensar também em como somos afetados tanto para escolher nossos candidatos, quanto para apoiá-los em seus governos.


Lembrando que independentemente de ideologia, partido ou posicionamento, estamos falando aqui de como a estratégia de comunicação e discursos de massa são poderosos e nos influenciam.


Sendo importante, portanto, compreendermos seu funcionamento e estarmos atentos, para não nos deixarmos levar apenas pela emoção, mas com um olhar crítico e coerente com nossos valores.


Como um discurso bem estruturado e consistente pode nos moldar?


Primeiro: somos seres sociais e é da nossa natureza querer pertencer, conviver em grupos e fazer parte de algo maior que a nossa existência individual. E mesmo inconscientemente, podemos moldar mais ou menos nosso comportamento, expondo mais ou menos nossas opiniões, conforme o contexto e relações cotidianas.


Há um livro muito interessante que trata sobre esse tema, de forma científica, chamado “O Poder das Circunstâncias”, de Sam Sommers, recomendamos!


Mas, hoje, para exemplificarmos como um discurso persuasivo somado ao nosso desejo de pertencer é capaz transformar nossa conduta, nos afastando até da nossa racionalidade, falaremos do filme A Onda.


Lançado em 2008 na Alemanha, com direção de Dennis Gansel, o filme veio para o Brasil em 2009 e se tornou um clássico quando o assunto é compreender como se forma e legitima uma estrutura autoritária.


No enredo, um professor precisa realizar um projeto de uma semana com jovens do colegial — o que chamamos de ensino médio — sobre autocracia, modelo em que o governante detém todo o poder, também conhecido como ditadura.


Lembrando que o filme é alemão e os jovens conhecendo sua história remetem o modelo ao trágico período Nazista vivido em seu país, com consequências sentidas no mundo todo. Numa primeira conversa com a turma, o professor questiona se eles acreditam ser possível um governo como aquele se estruturar novamente e comandar o país, imediatamente todos dizem que não.


Como justificativa, afirmam ter aprendido com a história, alegam que o povo está mais atento e jamais apoiaria ou permitiria que um governo assim se forme novamente. Afirmações que qualquer um de nós poderia dar, uma vez que nos sentimos autônomos e livres, não admitindo a ideia de que possamos ser influenciados.


Intrigado com a certeza do grupo, o professor decide fazer um experimento social ao longo da semana, demonstrando na prática como um modelo autocrático pode se formar. E em cinco dias, ele, no papel de líder do grupo, consegue causar mudanças profundas na turma.


O simbolismo que contagia


A mobilização da turma aconteceu de forma sutil e natural, em cada movimento eles se sentiam mais atraídos, o grupo se fortalecia e pertencer a ele era cada vez mais o foco de suas vidas.


Mas o que o professor fez? Coisas básicas: definiu hierarquias, um uniforme, deu nome ao grupo, o fez realizarem atividades juntos, de forma unida e coesa. As vantagens para os alunos eram muitas, eles se apoiavam nas dificuldades, saiam juntos para se divertir, se sentiam aceitos e pertencentes a um movimento, o que era divertido e empolgante.


Essa conexão trouxe mais segurança, confiança e ressignificou o ambiente escolar, as amizades e como esses jovens se viam e viam o mundo. Em poucos dias, eles se sentiam capazes de juntos causarem transformações no ambiente em que viviam.


Unidos e organizados se sentiam mais fortes, eram reconhecidos como um grupo e isso lhes dava a crença de serem respeitados pelos alunos de fora, que inclusive, desejavam fazer parte.


No filme, o contexto era de jovens em ambiente escolar, fase da vida e local que carregam naturalmente muitas inseguranças, cobranças e dúvidas, isto é, um grupo mais vulnerável. Quando o grupo se forma, essas lacunas são rapidamente fechadas, como uma solução ideal e permanente, que foi facilmente aceita por todos.


Situação, que gostaríamos de transpor para a nossa sociedade, propondo algumas reflexões. No Brasil, nossa população vive em realidades muito desiguais, de acesso à educação e emprego, ambos fatores fundamentais para formar uma sociedade autônoma e com qualidade de vida.


Segundo dados relacionados a educação, fornecidos pelo IBGE em 2022, 5,6% da população com 15 anos ou mais é analfabeta, e 85,4% da população em idade escolar é atendida por escolas públicas — cuja precariedade é conhecida há anos — e 52% da população acima de 25 anos não concluiu o ensino básico. Cenário que nos dá uma ideia de como, mesmo vivendo na era da informação e democratização de acesso via internet, ainda temos um número significativo de cidadãos vulneráveis, por falta ou má qualidade de educação básica.


Outro fator que contribui para a vulnerabilidade social são os dados de saúde mental, segundo a OMS 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade, sendo notado o aumento de consumo de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos.


Sem falar do contexto de dificuldade econômica, precarização do trabalho, falta de saneamento básico, saúde e segurança, que algumas parcelas sentem profundamente em nosso país. E ainda, das questões de preconceito e discriminação, enfrentadas por grupos minoritários cotidianamente.


Tudo isso para demonstrar como, há vulnerabilidade em diferentes níveis e grupos, com necessidades mais básicas ainda não atendidas, que abrem lacunas para discursos persuasivos, com soluções fáceis para problemas difíceis. No filme, é possível observar como são justamente os alunos sem estrutura familiar e segurança emocional que se envolveram profundamente com o movimento.


Ficando evidente a diferença entre os que diante de acontecimentos mais sérios foram percebendo a gravidade do movimento e entendendo seus perigos, e os que estavam completamente cegos e entregues, a ponto de não aceitarem o fim do grupo, independentemente das consequências.


Contexto que podemos relacionar com as recentes polarizações, em que o apoio e crença a uma ideologia é levada ao extremo, sem possibilidade de críticas ou diálogo com o diferente.



Como não fazer parte


É difícil se tornar imune a discursos persuasivos e massivos, eles estão em toda parte e em diversos segmentos: publicidade, mídia informativa, política, religião, entre tantos outros. E, não podem ser excluídos ou rejeitados, afinal também possuem sua função, podendo contribuir para a transmissão de mensagens positivas, informações relevantes e mobilizações a favor de necessidades reais da população.


Portanto, o que entendemos como necessário é orientar e preparar a população, para o poder que esses discursos têm, tornando-a mais atenta e crítica, para formular suas próprias interpretações e mensurar o que faz mais sentido para si.


Tornando nossa sociedade capaz de avaliar o que corresponde com seus valores, atende suas necessidades e é coerente de acordo com seu próprio ponto de vista e realidade.


Nossa contribuição está em alertar e demonstrar de forma acessível, como esses sistemas persuasivos funcionam, e nesse caso recomendamos muito o filme A Onda. De forma extremamente clara e didática ele explica como a manipulação acontece e principalmente, seus perigos e consequências.


Também contribuímos levando educação política para jovens em escolas, na esperança de formarmos cidadãos mais autônomos e conscientes, sobre seus direitos e deveres na construção de uma sociedade democraticamente forte e autônoma.


 

Sobre as referências do filme:


Filme inspirado no livro The Wave, de Todd Strasser, lançado em 1981. Obra, que por sua vez, é baseada numa história real, em que um professor nos EUA realizou esse mesmo experimento com sua turma. Contudo, naquela ocasião, o professor teve de pausar a experiência no terceiro dia.

Há um curta-metragem, de 1981, que retrata esse experimento, chamado também de A Onda, que encontramos no Youtube.

Desdobramentos recentes:

Em 2019, a Netflix lançou a série: Nós somos a onda — inspirado no mesmo livro de Todd Strasser, mas trazendo uma nova perspectiva.

Nesse enredo, os jovens são ativistas e militantes, que gravam suas ações de protesto e disponibilizam o conteúdo na internet, conquistando cada vez mais apoiadores.

Acontece que mesmo movidos por boas razões, sua forma de organização, seus discursos em prol do movimento e os tipos de protestos realizados eram bastante extremistas e violentos, numa busca de eliminar aquilo que não concordavam. Bastante interessante para refletir sobre como mesmo em prol de uma boa causa, uma estrutura autocrática pode se reproduzir e ser danosa.

 

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