Análise do filmes Tropa de Elite 1 e 2.
Reflexões sobre violência e segurança pública.
Ao pensar em segurança pública, automaticamente pensamos em polícia. Essa instituição do Estado, responsável por fazer a segurança da população, vigiando para coibir crimes e atuando para a aplicação das leis.
Segurança pública é um direito, e a polícia — em todos os níveis de sua organização — funciona como ferramenta do Estado para garantir essa segurança. Contudo, nas últimas décadas as pautas que temos visto no noticiário nos mostram um país bastante violento e inseguro, uma atuação excessivamente violenta por parte da polícia e um rápido crescimento da população carcerária.
Uma situação complexa que não pode ser explicada nem compreendida em um artigo de LinkedIn, mas pela relevância do tema achamos pertinente propor reflexões que levem a diálogos produtivos.
Para isso, vamos fazer uma análise inspirados pelas obras cinematográficas ficcionais, Tropa de Elite 1 (2007) e Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro (2010), ambos do diretor José Padilha. Filmes que se passam no Rio de Janeiro e foram inspirados no livro Elite da Tropa (2005), fruto de uma pesquisa sobre segurança pública do antropólogo Luiz Eduardo Soares e relatos dos policiais André Batista e Rodrigo Pimentel — este último também um dos roteiristas do filme.
Circunstâncias da criminalidade
Numa sociedade economicamente desigual, sabemos que nem todos os cidadãos têm suas necessidades básicas como moradia, alimentação, saúde, educação e segurança atendidas.
Em contextos mais vulneráveis, populações de classes mais baixas e marginalizadas, se acumulam nas periferias ou favelas. Nesses lugares, com casas improvisadas em locais quase sempre impróprios para moradia, se formam comunidades que encontram seus próprios meios de sobreviver.
Na busca pela sobrevivência, abandonados pelo Estado que não se faz presente nesses territórios, levando educação, saúde, saneamento, coleta de lixo, empregos e segurança, moradores da comunidade precisam se agarrar ao que tem como alternativa para sobreviver.
Sem ou com pouco estudo, distante dos grandes centros, sofrendo preconceitos e discriminações, por serem pobres e em sua maioria pessoas negras, a dificuldade de conseguir um emprego é enorme. Levando essa população para trabalhos informais, sem direitos trabalhistas e mal remunerados. Ou então, em casos mais extremos, para o mundo do crime.
O abandono do Estado abre espaço para que outras lideranças se formem e sejam legitimadas, seja pelo medo ou pela revolta. Dando protagonismo para criminosos, que nesses contextos criam suas próprias regras de funcionamento, garantindo — ou prometendo — para as comunidades emprego, renda e segurança.
Nos dois filmes vemos os traficantes como lideranças que controlam o acesso aos morros, aliciam jovens para diferentes funções no tráfico, agem com violência e sempre armados, mantém o clima de ameaça.
Ao mesmo tempo, em que se dizem defensores da comunidade, mantendo a paz e protegendo os moradores dos abusos da polícia e atendendo demandas que o Estado ignora.
Sem outras referências, descrentes de que a sua situação pode mudar e certos de que ou se adaptam a essa realidade ou morrem, moradores de comunidades comandadas pelo tráfico se adaptam e legitimam esse poder em nome de uma suposta paz.
Diante da falta de oportunidade se resignam a servir a autoridade que se faz presente e que em momentos de dificuldade é quem dá algum suporte. O medo e risco de morte se mantêm, mas pelo menos há alguma renda e a quem recorrer em casos mais graves.
Circunstâncias da atuação policial
Nos filmes, vemos a onipresença de um sistema de corrupção em que, aliados, tráfico e polícia, tiram vantagem pessoal a partir da vulnerabilidade dessas comunidades.
Acompanhamos personagens policiais que entram para a profissão convictos de aplicar a lei e proteger a população, mas se deparam com “o sistema” e precisam escolher se farão parte ou irão se abster — ficando subentendido não haver a possibilidade de acabar com tal sistema.
Sem treinamento adequado, com armamento desproporcional ao que teriam que enfrentar, sem suporte psicológico para a pressão e conflitos que enfrentam diariamente, para os policiais subir o morro representava arriscar a própria vida.
Se nas favelas os traficantes possuem armamento pesado e nenhum medo de atirar, os policiais precisam se adequar com os recursos que dispõem para conseguirem sair vivos de lá.
E diante das más condições de trabalho, baixo salário, também abandonados pelo Estado que querem apenas bons números para exibir na imprensa — não importando se eram reais ou às custas do que foram levantados — muitos policiais também viam como alternativa mais viável se aliar ao crime.
Fazendo vista grossa aqui, desviando armas e munições ali, cobrando uma propina acolá, iam fazendo renda extra, diminuindo o risco de morrer ao subir o morro, ao mesmo tempo que garantem a satisfação de seus superiores que querem apenas “manter a paz nas favelas”.
Cenário que no segundo filme levou ao surgimento das chamadas milícias — formada por policiais corruptos que subornam a população em troca de uma suposta segurança. Em um esquema abrangente, enxergam oportunidade de ganhos para além do tráfico, expandindo os negócios para pirataria de TV a cabo, internet e outras commodities.
As milícias organizadas e com alta rentabilidade, conseguem apoio de políticos que precisam mostrar que há paz nas favelas, sem se importar o meio para isso. Além de usarem a influência de milicianos para conquistar votos e se manterem no poder.
Bope — equipe treinada para a guerra
Quando, por qualquer motivo, o sistema falha e o caos toma conta, o Bope é acionado.
Policiais do Batalhão de Operações Especiais, são treinados sob extrema pressão e violência. Nos filmes, fica claro como eles se sentem acima das outras divisões da polícia militar, não só pela evidente hierarquia, mas por afirmarem que no Bope não tem corrupção, nem corrupto, ninguém ali tem medo de bandido, eles vão e resolvem o problema.
Seja pelo ímpeto de fazer justiça pelas próprias mãos, pela revolta com o sistema ou por serem sempre acionados para resolver conflitos, muitas vezes causados pela própria polícia mancomunada com o tráfico, policiais do Bope sobem o morro, agindo como se estivessem indo para a guerra.
Desumanizados pelo treinamento que receberam, já não enxergam os outros como seres humanos. Deixando aflorar em si simplificações sobre o seu entorno, como traficante é vagabundo, maconheiro é vagabundo, policial corrupto é inimigo, dispostos a matar ou morrer.
As consequências disso são vistas de maneira diferente em cada filme, mas todas deixam um rastro de morte e crimes.
No primeiro, acompanhamos a transformação dos personagens Matias e Neto, que entraram para a polícia militar com genuína intenção de fazer justiça e proteger a população, mas ao se depararem com um sistema inabalável de corrupções se veem impotentes e decepcionados, se deixando levar pela revolta decidem “jogar o jogo”. Fazem o treinamento, entram para o Bope e em situações distintas são mortos — um por um traficante e o outro pela polícia.
Já no segundo filme, acompanhamos de forma mais evidente o desgaste do Capitão Nascimento, que fazendo parte no Bope há anos sofre com crises de pânico e ansiedade, mas já não acredita na possibilidade de sair e reconstruir sua vida fora da polícia. Seu envolvimento com a profissão o fez viver em alta adrenalina e estresse, que tornam momentos de tranquilidade insuportáveis.
Como um vício, motivado pela narrativa de fazer justiça e lutar pela paz, mergulha cada vez mais em situações de violência, afastando de si sua esposa, filho, amigos. Isolado e perturbado, é manipulado pelo sistema e nem percebe, quando se dá conta, já se tornou um alvo e precisa lutar para salvar a própria vida.
Filmes sem final feliz
Diante de tamanha complexidade e violência, ninguém tem final feliz. A população da favela segue sem assistência e acesso aos seus direitos básicos, convivendo com medo de morrer por uma bala perdida — às vezes disparada pelo traficante, às vezes pela polícia — sem perspectivas reais de mudança.
Policiais, Bope e traficantes mantêm sua convivência entre fases de conflito e parcerias, em que o saldo é sempre de mortes, na maioria inocentes. Tudo financiado por governantes igualmente corruptos e interessados em compra de votos para a manutenção do seu poder.
Da ficção para a realidade
Como diz na abertura do segundo filme: “Apesar de possíveis coincidências com a realidade, esse filme é uma obra de ficção” e é por meio de obras como essa que sentimos o impacto da realidade enfrentada diariamente nas favelas.
As conjunturas não são favoráveis para ninguém e todos — em maior ou menor escala — sofrem as consequências. Portanto, cabe pensarmos onde está o cerne do problema, como a falta de acesso à educação e emprego, por exemplo, e como os governantes se propõem a resolvê-lo.
Um olhar crítico e aprofundado sobre o tema, nos permite compreender para além de estereótipos e soluções simplistas. Entendendo que a situação é grave, grave e complexa, precisamos questionar soluções paliativas apresentadas como definitivas.
Os filmes Tropa de Elite, 1 e 2, nos mostraram que ter paz não significa ausência de conflitos e mortes, prender ou matar bandidos não significa acabar com a criminalidade, enviar policiamento para as favelas não significa reprimir o crime.
Como cidadãos conscientes e agindo ativamente junto às autoridades pela busca de melhores condições para todos — população e policiais — precisamos conseguir olhar além do óbvio e dialogar produtivamente sobre novas alternativas para esses problemas tão antigos.
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